Representantes da Associação Hutukara denunciaram nesta quarta-feira (3) que a comunidade Helepi, que fica no município de Alto Alegre, Norte de Roraima, está sob forte clima de tensão após registro de conflito armado envolvendo indígenas e garimpeiros.
De acordo com documento assinado pela liderança da entidade, Davi Kopenawa, oito invasores que controlam o fluxo de embarcações no rio Uraricoera ameaçam atacar os indígenas como forma de vingar a morte de um garimpeiro, atingido por uma flecha. Um dos nativos, segundo ele, teria sido baleado por um disparo de arma de fogo, ficando gravemente ferido.
“Um deles, bêbado, deslocou-se até a comunidade e perguntou por Ledimar, um xirixana (como são conhecidos os yanomami da região) residente na comunidade. Vindo Ledimar ao encontro do garimpeiro, este atirou com um revólver no indígena. Indignado, o irmão mais novo alcançou um arco e flecha e flechou o garimpeiro, que veio a óbito. Ledimar, por sua vez, ficou gravemente ferido, e foi socorrido pela comunidade – no momento está tomando soro no posto de saúde local e aguarda a chegada da equipe de saúde do DSEI-Y [Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami] para tratamento”, destaca a associação.
CONSEQUÊNCIAS
Após o ataque, demais garimpeiros se retiraram da comunidade e anunciaram que esperariam os indígenas no porto do Arame, para um acerto de contas. Esse local, às margens do Uraricoera, é um porto situado na principal via fluvial de acesso para outras comunidades dentro da Terra Indígena Yanomami (TIY).
Desde então, os garimpeiros que passam por Helepi fazem ameaças aos indígenas da comunidade, que possui cerca de 70 pessoas. O temor de uma represália é o que vem preocupando a entidade, que afirmou ter levado o caso ao conhecimento dos órgãos competentes. Segundo o Ministério Público de Roraima (MPRR), aproximadamente 20 mil garimpeiros estariam atuando na TIY.
A Associação também denuncia que o controle de garimpeiros é tão forte na região, que eles cobram “pedágio” para a passagem de pessoas pelo porto de Arame, incluindo os indígenas.
“Na ocasião do assassinato de dois indivíduos yanomami por garimpeiros na região do Parima em junho de 2020, já havíamos alertado para o fato de que, aumentando em número, os garimpeiros ficam mais à vontade para impor-se sobre as comunidades por meio da violência e ameaçando desencadear conflitos sangrentos que no limite podem atingir a proporção de genocídio”, menciona trecho de documento.
FISCALIZAÇÃO
O Ministério Público Federal de Roraima (MPF-RR) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram comunicados horas após o confronto. O procurador federal Alisson Maruga contou ao Roraima em Tempo que a Funai fez diligências na região, e constatou a veracidade das ameaças. O órgão, no entanto, ainda não conta com confirmação oficial.
“Informações da Funai dão conta da tensão na região e a possibilidade de um conflito iminente […]Esse conflitos são recorrentes e acontecem pelo mas variados motivos, muitas vezes insignificantes. A diferença é que há uma escalada de violência contra os Yanomami bastante preocupante”, comentou.
Vale lembrar que a problemática envolvendo possível atrito entre indígenas e garimpeiros não é recente. No ano passado, a Hutukara citou a possibilidade de ocorrer um genocídio em massa devido propagação de doenças como a malária e o coronavírus.
Alvaney Xiriana Pereira, de 15 anos, é um exemplo dessa consequência. Ele morava na Comunidade Rehebe, que assim como a Helepi, é próxima do local de controle de garimpeiros do rio Uraricoera. O jovem foi o primeiro indígena roraimense a morrer vítima de coronavírus, em abril do ano passado, e também contava com sintomas graves de malária.
A Hutukara finaliza o documento com um apelo para que autoridades foquem em realizar fiscalizações no porto de Arame, que seria o local onde está a maior parte do maquinário utilizado para o garimpo, poluindo a água do rio com mercúrio, comprometendo a atividades relacionadas à pesca e provocando o desmatamento da região.
“Especificamente, requer-se que sejam identificados e punidos os garimpeiros cúmplices da agressão, e fiscalizada a estrutura do porto do Arame a fim de impedir sua ocupação e utilização clandestina para o garimpo e, ao mesmo tempo, garantir a livre circulação para os indígenas, em segurança”, conclui.
FONTE: RORAIMA EM TEMPO